7 de jan. de 2011



O PÁSSARO DE PEDRA

Marta Gonçalves


Era dezembro. O anjo vestido de açafrão
voava na Estrada da Bica. O flamboyant
florido. O poeta recolhia o silêncio nos olhos.


Pastorava poemas o rosto perdido no tempo.
Ouvia os pardais na janela. Longe, o sonho derretendo
no último verão. O pássaro se esconde do dilúvio.
Os escorpiões estancam o relógio de marrom glacê.


O sal nas paredes, vultos alastram lembranças.
O poeta sente as vértebras soterradas. A liberdade
da mão forma concha e asas morrem no pórtico da casa.


Era dezembro. O anjo vestido de açafrão sangrou a túnica
do poeta. Levou os pardais. O vento sopra na noite os lábios
de pedra.


Vejo a tocha da poesia no caminho. Coloco âncoras,
os sinos dobram, escuto ladainhas de Ouro Preto.


A clarineta veste a alma e papoulas enfeitam nuvens.
Viaja para o equinócio. Seu corpo é o mito da linguagem.
Coloco o manto de lã repleto de memórias. O vôo leva os pardais.


©MARTA GONÇALVES
Nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil,
em 1940, descendente de italiano.
Autora de numerosos livros de poesia.


Um comentário:

Ana disse...

Belíssimo o poema , em sintonia com a beleza da imagem!
O vento sul trouxe-me o vôo de novas palavras! Obrigada!