12 de jan. de 2011



ESCREVER SILENCIOSO


Muitas vezes já me peguei fazendo a mesma pergunta, deveria eu voltar a escrever, como fazia no passado naqueles caderninhos de capa preta, pelos quais tinha um amor todo especial? Me lembro de sempre ter um à mão na hora certa, sempre escrito com um lápis, numa letra pequena e por muitas vezes em uma grafia nada elegante.


Escrever, sempre me pareceu um ato mágico, e sempre coloquei as coisas dessa forma, sei expressar um sentimento com cores e formas, mas palavras, elas me assustam desde que sou criança. Fui e sou um péssimo aluno na língua portuguesa, gramática, verbos, crases... Talvez reflexo da infância, quando criança, apenas falava um dialeto antigo, dialeto esse que já foi carregado por séculos pelos confins do mundo até finalmente chegar aqui com meus avós e pais, assim minhas primeiras palavras foram de certa forma, muito antigas. Depois veio a tal “aula dominical” na língua alemã e por fim a escola, entre amiguinhos, dialeto, ensino no início em alemão, e somente depois veio o português. Então, sem dúvida, ela marcou menos.
Sempre falta a palavra certa no momento que é preciso, e hoje ainda, ela vem, mas vem no dialeto, vem no inglês, vem no alemão, mas no português, ela me falta... lembro depois quando já não a preciso mais.


Mas, apesar de tudo isso, escrever sempre convida. E isso sei que é de alguma forma genético, quando criança eu visitava muito minha avó materna, e ela possuía um livro muito grande, na verdade, apesar de criança, nunca tinha visto livro de tal tamanho e peso, ele exercia um fascínio todo especial. Lá dentro haviam centenas de anotações, poemas, receitas, ilustrações de pinturas que ainda iria fazer um dia, letras e melodias de canções antigas, páginas e páginas de nomes da árvore genealógica, e lembro bem de ver coisas escritas ainda em gótico, numa grafia linda. A qual eu só entendia a impressa, mas a escrita era sempre um segredo a parte!


Depois minha mãe, apesar da pouca instrução oficial, pois os imigrantes, muitos foram alocados em regiões tão inóspitas, mesmo aqui no sul do Brasil, onde a questão primeira era a sobrevivência e depois, talvez, algum estudo muito básico. Ela ainda tem um dom para a palavra escrita, poesia, ah poesia, ali ela desliga do mundo que a rodeia, esquece dor ou fome e escreve sem parar. 


Eu tive a felicidade de realizar um sonho que ela sempre alimentou, publicar ao menos um livro das centenas de poesias e textos que já escreveu.


E ao pensar em tudo isso, volto a pergunta inicial, será que algum lápis ainda espera?

Mirante.



CÂNTICOS
( II e III de XXVI ) 

Cecília Meireles

II

Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens …
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade …
É a eternidade.
És tu.

III

Não digas onde acaba o dia.
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a Terra,
Onde termina o céu.
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde é Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa, completamente silencioso.
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.


© Cecília Meireles
(Rio de Janeiro, 07.11.1901 - Rio de Janeiro, 09.11.1964)
Foi uma poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira.
In, Antologia Poética, Editora Record, 1963
Rio de Janeiro, Brasil


2 comentários:

Ana disse...

A enviar-te um lápis que esperava por ti ! A esperar as palavras que precisam ser escritas !
Um beijo para ti, Mirante *

Marilac disse...

Querido,
Sou fascinada pelas palavras, a forma como transmitem sentimentos, como nos transportam ao mundo de quem escreve e nos permitem,as vezes,visualizar nitidamente, como num filme o que elas nos contam.
Também gosto de ter sempre um caderninho por perto,registro idéias, desejos,frases que me inspiram,livros que me indicaram, imagens que me fazem sorrir.
Fiquei encantada é a palavra com o livro da sua avó.Devia ser lindo e espero que o tenham bem guardado.
Agora entendo sua sensibilidade para a poesia, é genético.Que bom você ter realizado o sonho da sua mãe.Um presente maravilhoso e eterno.
Belissimo post!
Lindo poema de Cecilia Meireles.

Abraços,
Marilac